Foto: Arquivo Pessoal/Jangadeiro. |
Decisões sempre causam sofrimentos. Afinal, são escolhas, sendo necessário deixar algo para trás. Geraldo Frencken, de 67 anos – “bem vividos”, como ele mesmo acrescenta –, mudou da água para o vinho, embora este último também já fizesse parte de sua vida sacerdotal. Deixou o exercício de padre para casar.
E, por mais inusitado que seja, não é raro ver casos parecidos pelo Brasil. O mesmo já aconteceu com outros sete mil sacerdotes que solicitaram no país a dispensa do sacramento da ordem em troca do matrimônio. O dado é do Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados. No Ceará, estima-se que mais de 100 padres tenham feito a mesma escolha.
O holandês Geraldo Frencken, que mora em Fortaleza, decidiu mudar de vida em 1999.Foi sacerdote durante 23 anos. Em Fortaleza, atuou na Paróquia São Pedro e São Paulo, responsável pelos bairros Jardim Iracema, Padre Andrade, Quintino Cunha e Olavo Oliveira.
A mudança, entretanto, veio acompanhada de outros fatores, além do desejo de construir uma vida a dois. Preferiu não dar continuidade ao sacerdócio, por divergir de algumas determinações da Igreja. O casamento acabou tornando-se consequência.
“É uma mistura de fatores. O celibato [viver sem se unir em matrimônio ou relacionamento] é um assunto que mexe com as pessoas. Eu estava em conflito com essa questão e com algumas maneiras de a Igreja se portar diante de várias causas ligadas ao mundo. Isso fez com que a minha continuidade no ministério ficasse complicada”, conta.
Celibato
São quase 900 anos (desde 1139, no Concílio de Latrão) de história em que padres não podem se casar. O tema ainda é tabu, considerado inaceitável e proibido na sociedade.
Casado há 14 anos com Claudete da Silva Morais, Frencken defende o celibato opcional. “A primeira missão de cada ser humano é ser fiel a si mesmo. Não faz sentido, e causa sofrimento inútil levar uma vida que não seja verdadeira. Devemos ser sinceros conosco, a fim de podermos construir relacionamentos com outras pessoas, baseados nos valores essenciais do evangelho e de qualquer convívio humano”, ensina
Ainda de acordo com o padre, o celibato foi uma norma criada pelo homem e, justamente por causa disso, passível a mudanças. “Essa norma não vem do evangelho. Com o evangelho não se mexe. Mas, se a decisão foi definida por seres humanos, por que a Igreja continua com tanta dureza em relação a nós e não revê a sua posição?”, indaga.
A dureza a qual se refere mina o sonho de poder unir a vida matrimonial com aquela à qual também é apaixonado, na Igreja. As mudanças não trouxeram medo para Frencken. O sentimento, na verdade, foi um misto de alegria e sofrimento. “Cada escolha envolve perdas. Perdemos algumas coisas e ganhamos muitas outras. É um processo que não para. Você vai sofrendo, vai amando e vai acrescentando certas coisas na sua vida”, explica.
Preconceitos
Geraldo sofreu preconceitos devido à opção de se casar. Há certos setores dentro da Igreja que o olham com desprezo. “Começam a aparecer coisas tristes em razão das posturas de certas pessoas. Olham como se fôssemos bichos de sete cabeças. Nós temos menos problemas com a Igreja do que a Igreja tem conosco”.
O preconceito também se mostrou presente quando ensinava no Seminário da Prainha. De 2005 a 2009, ministrou aulas de Teologia Pastoral, Trindade e história da música. Foi demitido por ser padre casado. “Fui demitido pela direção da Arquidiocese de Fortaleza. Lamento até hoje, porque tinha bons relacionamentos. Nunca causei escândalos. Para mim, escandalosas são as pessoas que maltratam os pobres”, lamenta.
Trabalhos
Por parte da sociedade em geral, e da família, não há – e nem houve – problemas, como conta. Afinal, o [sempre] padre continua desempenhando papéis belíssimos e atuantes: dá assistência a comunidades carentes na capital cearense e é presidente do Movimento dos Padres Casados no Ceará (MPC).
“Somos muito bem aceitos pelo povo em geral. Nas comunidades, a gente conversa, estuda e faz encontro. Tudo numa boa. Eu e minha esposa pertencemos à Igreja e nos fazemos presentes em alguns lugares mais necessitados”, diz.
As experiências trazidas pela Igreja foram milhares, sempre lembradas com felicidade por ele. “Passei por experiências profundas nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Nelas, o povo faz a Igreja acontecer. A Igreja passa a ser do povo e não dos padres”.
Sempre padre
As boas recordações e os ensinamentos diários são os principais motivos de os padres casados não gostarem do termo “ex-padre”. Uma vez padre, sempre padre. “Prefiro ‘padre casado’. O sacerdócio não passa. Você não é diminuído por casar. É uma escolha. Creio que todo ser humano busca, durante toda a vida, sua identidade. É um belo, rico e contínuo processo”, finaliza.
Enquanto a Igreja vive o dilema, acompanhada por sacerdotes mais conservadores, os padres que se tornaram maridos comemoram a companhia feminina no dia-a-dia, que não deixou de ser santo. Lamentam, no entanto, não poderem vestir a batina com uma aliança no dedo anular da mão esquerda. E, subir ao altar, com a companheira, apenas para dizer um “sim” diante de outro padre.
Fonte: Tribuna do Ceará (Jangadeiro).
Veja mais:
Fotos: Arquivo Pessoal/Jangadeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário