Foto: André Costa/DN |
Potengi - Há quase duas semanas a rotina do agricultor Cícero Gomes de Andrade, 44, mudou. Ele, sua esposa e os cinco filhos estão com suspeita de dengue ou zika vírus. Além de enfrentar uma enfermidade que não sabem ainda do que se trata, ele teve que largar o trabalho há cinco dias. "No começo continuei indo para roça, mas depois não aguentei, muita dor no corpo e febre. O pior é que, sem trabalhar, a gente não tem dinheiro, né?", lamenta.
O drama do agricultor é um retrato da situação deste pequeno município da região do Cariri, com pouco mais de 10 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No fim da última semana, a Secretaria de Saúde local estimava que cerca de três mil pessoas estivessem com suspeita de dengue ou zika. Atualmente, esse número pode chegar a 60% da população.
Cerca de 300 exames sorológicos foram enviados ao Laboratório Central (Lacen), em Juazeiro do Norte. Até o momento, 12 casos de dengue e um caso de zika foram confirmados.
Segundo o médico plantonista da única unidade de saúde de Potengi, Tibério Mendes de Souza, os pacientes não param de chegar. "Nos últimos dias, o Hospital tem recebido centenas de pessoas com mesmo quadro clínico: febre alta, dor de cabeça, dor no corpo, perda de apetite, manchas pelo corpo e artralgia, bastante característico do zika vírus", ilustrou. Ainda segundo o médico, a média de atendimento diário saltou de 35 para 300 consultas, "a maioria com suspeitas de dengue e zika".
Além da alta demanda, o tempo de espera para atendimento foi potencializado com o afastamento de alguns profissionais do hospital, também vítimas do mosquito Aedes aegypti, transmissor das doenças dengue, zika e chikungunya. "Nos dias em que a procura está bastante elevada, geralmente nos fins de semana, pedimos o reforço de outros profissionais para tentar suprir a demanda", explica a enfermeira Cristina Souza. A unidade atua, normalmente, com quatro profissionais de Saúde, sendo um deles médico.
Em quase todas as residências há, pelo menos, um infectado. Na casa da vendedora Luciana Macedo, o mosquito picou todos. "Retornei ao trabalho ontem, depois de cinco dias afastada. Meu esposo e meu filho continuam doentes. É muito complicado se virar em uma casa, a gente fica buscando força para ajudar um ao outro", desabafa.
Na família da dona de casa Maria Socorro de Alencar, só o esposo escapou. "Minhas duas netas estão doentes, minha família está mole e eu estou doente há sete dias", conta. Ela ressalta, porém, que ainda não sabe qual doença estão enfrentando, já que ninguém foi ao hospital: "A fila é muito grande. Preferi não ir, a moleza no corpo é grande".
Sem aula
A neta de Maria Socorro é uma das duas mil jovens que estão sem aula há dez dias. A decisão da suspensão nas doze escolas da rede municipal decorreu do alto número de funcionários com sinais da enfermidade. Cerca de 120 dos 200 professores do Município tiveram os sintomas. "Dos 13 funcionários da creche em que ensino, dez estão doentes", resume a professora Daniele Alencar. Segundo a Secretaria de Educação, as aulas devem retornar na segunda-feira (7). Apesar de a Secretaria ter prometido repor todas as aulas, alguns alunos já se sentem prejudicados. "Mesmo que reponham, sempre fica um ou outro conteúdo perdido e isso acaba sendo mais um problema para a gente que está perto do vestibular", analisa Layla Silva Alencar.
Comércio
Com tanta gente doente, a movimentação no comércio caiu substancialmente. A gerente de um mercadinho no Centro conta que, nos últimos dez dias, as vendas foram fracas. "A cidade inteira sentiu o impacto. O movimento caiu bastante", conta Luciene Correia, 21. Ela retornou ao trabalho há dois dias, depois de ficar afastada por quase uma semana com suspeita de dengue. "Moro com minha avó e tia, todas nós adoecemos", finaliza.
O frentista Cícero Barreto também observa a queda no comércio ao lamentar o momento complicado pelo qual a cidade está passando. "Nunca vi isso. A gente aqui no posto passa boa parte do tempo sentado, quase que não tem cliente", diz.
Queixas
As possíveis explicações para o alto número de suspeitas de dengue e zika são variadas. Luciene denuncia que nenhum agente de endemias visitou sua casa nos últimos meses. A mesma queixa faz Maria Socorro de Alencar. "Aqui na rua eles não passaram. O cuidado para conter o foco é feito pelos próprios moradores", expõe. Ela também denuncia uma grande vala existente por trás da sua casa.
A reportagem do Diário do Nordeste procurou o prefeito de Potengi, Samuel Carlos Tenório Alves de Alencar (PCdoB), mas ele não foi localizado no prédio da Prefeitura. Nesta semana, o gestor municipal, que ficou afastado por quase duas semanas devido à doença, assinou um plano emergencial. Dentre as medidas, contratação de carro fumacê e colocação de tela de nylon em caixas-d'água. Para o Secretário de Saúde, Raimundo Rivaldo Feitosa, o grande número de casos pode ser explicado pelo atraso no repasse do larvicida que combate a larva do mosquito. Em nota, Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) informou que o fornecimento de larvicida para os municípios é atribuição do Ministério da Saúde.
Enquete
Como é conviver com a suspeita da doença?
"Já não estou mais em condições de trabalhar e, dessa forma, o sustento da família, que também está toda doente, fica comprometido. Nessa situação, fica difícil até comprar os remédios que precisamos"
Cícero Gomes de Andrade
Agricultor
"Horrível. Pior ainda por não saber do que se trata. Não sei se é dengue, zika ou outra doença. A cidade inteira ficou doente. Estou perdendo aula no último ano do Ensino Médio e parece que a situação só se agrava"
André Jéferson Rodrigues
Estudante
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/cidade-paralisada-por-causa-do-aedes-aegypti-1.1504890
Fonte: Diário do Nordeste
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