Foto: O Povo. |
Houve ainda 40,1% que alegaram não acreditar em uma só palavra do que dizem Silas Malafaia e Datena em seus programas televisivos, embora lhes tenha sido esclarecido que ambos – Datena e Malafaia – não têm, em princípio, conforme informaram suas assessorias, “nenhuma relação com o fim do mundo”.
Ainda que inconclusivos e obtidos a partir de metodologia questionável (favor consultar trabalho de conclusão da turma de 1997 do Senac), os dados do estudo demonstram algo que já supúnhamos antes mesmo que os assustadores flagrantes da orla de Fortaleza ganhassem, no fim de 2011, centenas de compartilhamentos e indicações entusiasmadas de “curti” na rede social Facebook. Nas imagens, resultado de caprichada manipulação digital, é possível ver a avenida Beira Mar e outros pontos da capital cearense sendo arrasados por ondas de 20 a 30 metros. Como sói ocorrer, nada escapa à fúria arrasadora dos pavorosos tsunamis: dos segways do Ronda do Quarteirão ao Jardim Japonês, tão recente e pouco visitado, tudo vira ruína quando encarado por paredão líquido que não poupa sequer humoristas como Robertinho do Chicote e Quebra-Coco, carregados sob as águas sem direito a qualquer trocadilho derradeiro.
Consumidores de crack, turistas italianos, prostitutas, carrinhos de cachorro quente, Habibs, piriguetes, o pessoal que aluga patins, as meninas que andam de patins, os carinhas que oferecem viagens para Cumbuco e Tabuba, os coopistas, a estátua eternamente envergando seu arco, jogadores de vôlei de praia e damas do acarajé: em poucos minutos, toda a cearensidade é consumida. Feito sob medida para turbinar o perfil de algum espertinho na Internet, o gracejo impressiona e amedronta, embora falso. De todo modo, a débâcle final da raça humana, o que convencionalmente chamamos de End of time ou armagedom multiétnico, é cada vez menos levada a sério por um maior número de pessoas. No Ceará, por exemplo, vários fatores explicam o desprestígio do apocalipse, seja ele bíblico, ecológico, econômico ou virtual.
Para o sociólogo Dante Sorocaba, os recorrentes descontos ofertados em eletrodomésticos da linha branca por redes de varejo são apenas um deles. “É razoável imaginar que a concepção finita do mundo encontre nas compras de fim de ano, particularmente de geladeiras e máquinas de lavar, um obstáculo considerável”, arriscou o estudioso, sushiman nas horas vagas. Outros elementos que poriam a derrocada humana em posição decrescente são a revitalização da Rotatória da Aguanambi (Praça do Biscoito), a retomada do audiovisual cearense, a larga fatia pendente do programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” em Fortaleza, a aguardada integração temporal no transporte público municipal, o novo CD da banda 085, a chegada do “tatuzão” e, finalmente, a fé inquebrantável que qualquer nativo das terras de Alencar alimenta desde o momento exato em que vem ao mundo: o Metrofor. De acordo com o técnico de som e pesquisador em mídias sociais Jônatan Alves Babilla, “por si, o metrô da capital é responsável por 46% do otimismo cearense em relação ao fim do mundo”. Para ele, “é notória a indisposição da nossa gente para com o advento da catástrofe”.
Dito de outra maneira: ao menos no Brasil, o mais antropofágico dos Brics, e, em especial, no Ceará, parece haver um consenso segundo o qual não há qualquer motivo para acreditar nos maias e menos ainda em Lars von Trier, de maneira que, ao ser indagado sobre o que você faria se só lhe restasse um dia, o cobrador de ônibus e DJ cratense Tomás Savignolli respondeu: passaria a tarde inteira comendo siriguela verde.
Henrique Araújo
henriquearaujo@opovo.com.br
Fonte: Jornal O Povo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário