Foto: Fabiane de Paula/DN |
Na rua há mais de 20 anos, Cláudio Henrique Ferreira, 49, dividia a vida e a rua com a companheira conhecida por Ana Paula. Os dois moravam no pequeno barraco montado em uma praça, localizada na Avenida Luciano Carneiro. Há cerca de duas semanas, a mulher sumiu por alguns dias e deixou Cláudio preocupado.
Na última semana, a vida do morador tomou outro rumo ao receber a notícia de que a parceira havia dado entrada no Instituto Doutor José Frota (IJF) e, em seguida, veio a falecer. O corpo foi levado para a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). No órgão, Cláudio enfrentou dificuldades para retirar o corpo pois não tinha documentos da companheira. A história deles chegou a repercutir nas redes sociais. Mais de 500 usuários se mobilizaram no grupo "Alguém conhece alguém que...", em prol do casal.
Segundo o morador de rua, os dois se conheceram na Praça do Ferreira durante um sopão comunitário. "Ela bebia e fumava muito. Tenho pra mim que isso piorou a situação de saúde dela", comentou. Ajudado por residentes do bairro ele procurou uma vez o corpo da mulher na Pefoce, mas não conseguiu autorização da retirada. "Eu só vi ela por um vidro", declarou. Por não ter documentos que comprovassem a relação marital, o órgão não autorizou a retirada.
Liminar
Não obtendo sucesso na ida sozinho ao órgão, os vizinhos então orientaram o morador de rua a procurar o Centro Integrado de Referência sobre Drogas (Cird) da Prefeitura de Fortaleza. Cláudio retomou a esperança de conseguir recuperar o corpo da companheira e evitar que a mesma não seja enterrada como indigente. Orientado por uma assistente social do Centro, o morador de rua deu entrada com pedido na Defensoria Pública Geral do Ceará para comprovar o parentesco com a mulher.
De acordo com a profissional do Centro Integrado de Referência sobre Drogas, Carla Carneiro, para realizar a liberação do corpo de Ana Paula era necessário que Cláudio apresentasse um documento que comprovasse a relação dos dois. "Localizamos esse documento em um Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), onde eles tinham um cadastro e enviamos para a Pefoce. Ela vivia com Cláudio mas tinha um casamento com outra pessoa. Com Cláudio era um relacionamento estável".
O documento apresentado pelo órgão identificava Ana Paula por Emília. Foi necessário a análise da papiloscopia para confirmar se realmente era o corpo da mulher, o que foi validado. O próximo passo foi comprovar legalmente que Cláudio poderia se responsabilizar pelo corpo. Partindo dessa informação, o Cird deu entrada em um pedido na Defensoria que emitiu uma liminar que comprova a relação do casal como estável.
"Conseguimos provar a relação e habilitar ele como responsável pelo corpo", explicou. Durante o processo uma filha foi localizada e avisada sobre o falecimento da mãe. Foi dada a opção para filha, caso ela tivesse interesse, realizar a retirada. Mas elas não tinham vínculo. Hoje, Cláudio vai à Pefoce tentar realizar a retirada o corpo da companheira para, enfim, conseguir enterrá-la.
Censo
O 1º Censo e Pesquisa Municipal sobre População em Situação de Rua diagnosticou, na primeira etapa, que o Centro e a Beira-Mar concentram o maior número de moradores de rua. A pesquisa foi executada pelo Centro de Treinamento e Desenvolvimento da Universidade Federal do Ceará (Cetrede), com a coordenação da Setra e parceria do Fórum da Rua.
A segunda etapa traçou o perfil da população de rua, apontando que 49,2% têm entre 25 e 39 anos; 79,8% são do sexo masculino; 62,4% se identificam como pardo; 28,9% estão na situação de rua há mais de cinco anos; 27% não possuem documento; 23,1% possuem Ensino Fundamental completo.
O levantamento revelou, ainda, que 71,4% não possuem atividade remunerada. Entre os motivos que os levaram à situação de rua, 48,1% relataram problemas familiares. Sobre as relações familiares, 42,9% têm vínculos rompidos. Quanto à utilização dos serviços, os mais utilizados são os postos de saúde (33,9%) e Centro Pop (32,2%). Foram levantados 73 pontos de concentração.
FIQUE POR DENTRO
25 corpos desconhecidos
De acordo com a Perícia Forense do Ceará (Pefoce), neste ano, até o mês de julho, 25 pessoas foram enterradas com corpos desconhecidos ou não reclamados, conforme a nomenclatura adotada pelo órgão. Em 2015, a Pefoce contabilizou 175 corpos na mesma situação.
Em média, realiza-se a cada mês o enterro de 15 pessoas que não foram reconhecidas depois de mortas. A Capital, bem como a Região Metropolitana de Fortaleza são as regiões com maior número de casos do tipo. Os corpos nessa situação são enterrados no Cemitério Público Bom Jardim.
Caso um parente queira tentar identificar um corpo, a Pefoce realiza o exame papiloscópico (impressão digital), exame de DNA ou exame odontológico (arcada dentária). Em seguida, caso seja identificado, o corpo é liberado por alvará judicial para fins de sepultamento.
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/homem-tenta-evitar-enterro-de-companheira-como-indigente-1.1594756
Fonte: Diário do Nordeste
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