Foto: Bruno Gomes/DN |
Na casa de Robério Araújo e Regina Lúcia é assim: a cada visita dos agentes de endemias, focos do mosquito transmissor da dengue, zika e febre chikungunya, o Aedes aegypti, são facilmente detectados. Os dois não têm como explicar esse comportamento de risco de manter o quintal como um verdadeiro "paraíso" para os arbovírus. Latas, pneus, lixo, vasilhames de todos os tipos e tamanhos com água parada estão empilhados por todo lado. No local onde moram, o São João do Tauape, não é difícil encontrar esse mesmo cenário.
Em Fortaleza, com seis casos da dengue confirmados por dia, 13 bairros detêm 39,9% das 371 ocorrências comprovadas em exames laboratoriais, entre janeiro e fevereiro deste ano. Como entender que, apesar de tantos anos, e esforços governamentais para deter o avanço do inseto, a sociedade ainda não consegue fazer o dever de casa? Para especialistas, sem o engajamento, estamos levando goleada de 7X1 para o mosquito.
Robério e Regina são exemplos claros disso. O que chocou até os próprios soldados do Exército e agentes que visitaram a residência deles foi a constatação de que, mesmo com a filha grávida de dois meses, nada ou quase nada é feito para protegê-los das doenças causadas pelo Aedes aegypti. "Não só a eles, como a todos os vizinhos que moram num raio de 150 metros", afirma o supervisor da equipe, Roberto Chagas. Ele conta que, na última inspeção, em dezembro passado, foram encontrados sete focos do mosquito. "Não moramos sozinhos. Tenho dois irmãos que são donos dessas coisas todas e não estão nem aí para a limpeza. Um deles, aliás, já ficou doente", tenta explicar a dona-de-casa.
Entrar em imóveis particulares era um complicador, segundo o infectologista Kleber Luz, professor do Instituto de Medicina Tropical do Rio Grande do Norte. Muitos moradores não permitiam a entrada dos funcionários públicos com medo de serem falsos agentes prontos para um assalto. Agora, com o apoio do Exército, a força-tarefa tem mais credibilidade e isso deixou de ser desculpa. "Mas, não se pode deixar tudo nas mãos do governo", disse.
Prevenção
Na visão da psicóloga Selma Câmara, cada ser é importante para o coletivo, mas ainda temos sérias dificuldades para entender isso. "O humano é diferente de algumas espécies animais que já trazem no instinto, como as abelhas e formigas". O que alguém faz ou deixa de fazer, aponta, vai refletir no meio em que vive e a prevenção de doenças como dengue, zika ou chikungunya ou as sexualmente transmissíveis (DSTs) é exemplo claro desse comportamento.
"Vivemos uma emergência", assevera o gerente da Célula de Vigilância Ambiental e Riscos Biológicos, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Nélio Morais. Para ele, se cada um não tomar para si parte da responsabilidade, todas as ações não serão nada mais do que "enxugar gelo". Ele defende a participação das entidades religiosas, indústria, comércio, secretarias. Cada um, frisa, tem que assumir seu papel. "Vamos entrar no período mais crítico, entre março e junho, onde os casos aumentam e chegam ao pico e isso sem falar na zika ou chikungunya. A sorte está lançada".
A socióloga e membro do Núcleo de Estudos de Gênero, Idade e Família, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Maria Dolores de Brito Mota, ressalta que, historicamente, o brasileiro não assume corresponsabilidade por nada: "Está acostumado a tudo chegar pronto e culpar o poder público pelas coisas que dão errado. Não usar a camisinha em ato sexual e contrair o HIV é culpa do governo, que não explicou direito; e, agora, não limpar a casa, o quintal, o jardim dos focos do Aedes também é exemplo desse descuido, descaso". Todos sabem, diz, que o mosquito causa doenças que podem levar à morte. Entretanto, é como se nada fosse acontecer de ruim para ela ou familiares.
Para a especialista, essa fragilidade de consciência cidadã, de não só viver, mas como saber viver em sociedade, tem origem no processo de exclusão de direitos. "Somos um país de privilégios e não de responsabilidades compartilhadas. É um longo caminho a percorrer e ainda estamos longe de conseguir", avalia.
Nem todos ignoram a necessidade de participar. É o caso da dona-de-casa Núbia Herculano. Ela mora na mesma rua de Robério e Regina e faz de tudo para evitar os focos. Mesmo assim, corre perigo pelo descaso dos que não o fazem o mesmo. "Basta uma pessoa nas redondezas não fazer o dever de casa para que todos no entorno fiquem em risco. Em minha casa, mosquito não entra e nem faz morada, mas vivo com medo por causa dos outros", afirma o supervisor Roberto Chagas.
Responsabilidade
"Se não cuido de meu espaço, não cuido de mim e, assim, como poderei cuidar dos que estão à minha volta aonde moro?"
"O SUS sozinho nunca pode e nunca poderá ganhar a luta contra o Aedes aegypti. Todos têm responsabilidades"
Nélio Morais- gerente da Célula Ambiental da SMS.
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/maioria-da-populacao-ignora-perigo-e-perde-luta-contra-o-mosquito-1.1505116
Fonte: Diário do Nordeste
Foto: MS/Diário do Nordeste
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